EUROPA OXALÁ

Exposição patente na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, de 4 de março a 22 de agosto de 2022.

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Sobre a exposição lemos na folha de sala:

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Esta exposição apresenta cerca de 60 obras (pintura, desenho, escultura, filme, fotografia, instalação) de 21 artistas cujas origens familiares se situam nas antigas colónias em África. Nascidos e criados num contexto pós-colonial, são artistas cujas obras se tornaram incontornáveis na arte contemporânea europeia, propondo uma reflexão sobre as suas heranças, as suas memórias e as suas identidades.

Os pais e avós dos vinte e um artistas presentes na exposição nasceram e viveram em Angola, no Congo, no Benim, na Guiné, na Argélia, em Madagáscar; dos seus antepassados, estes artistas herdaram memórias que lhes chegam de forma difusa no seio da família e de grupos de amigos e que não são só vozes, sons e gestos, mas também imagens e recordações das suas culturas de origem, pontos de partida para um importante trabalho de investigação nos arquivos históricos, familiares e institucionais. As suas produções artísticas alimentam uma reflexão original sobre o racismo, a descolonização das artes, o estatuto da mulher na sociedade contemporânea ou ainda a desconstrução do pensamento colonial.

O carácter inovador e transnacional do trabalho destes artistas da «pós-memória» tem vindo a marcar profundamente a paisagem artística e cultural das últimas duas décadas, e a maneira como alguns deles conjugam linguagens contemporâneas e processos tradicionais constitui um contributo essencial para a Europa contemporânea. Através das suas obras, EUROPA OXALÁ testemunha o poder criativo da diversidade cultural europeia contemporânea, abrindo novas perspetivas à própria noção de Europa.

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Apresento algumas obras em que a fotografia tem um papel especial.

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DÉLIO JASSE, TERRENO OCUPADO, 2014

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Délio Jasse, série Terreno ocupado, 2014. Fotografia, cianótipo sobre papel Fabriano.

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Tudo começa com a recolha de fotografias em lojas antigas, arquivos privados, feiras. De seguida o artista trabalha com processos fotográficos analógicos, folha de ouro e colagem, e deixa as marcas dos adesivos utilizados sobre as imagens primárias, de modo a guardar na memória o passado colonial que persiste na sua cidade natal de Luanda, Angola.

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KATIA KAMELI, TROU DE MÉMOIRE, 2018

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Trou de mémoire é uma instalação fotográfica que representa o Memorial da Libertação, instalado em 1978 pelo artista argelino M’hamed Issiakhem. Trata-se de um sarcófago de betão que contém o antigo memorial de guerra intitulado Le Grand Pavois, do escultor Paul Landowski, e que constitui uma homenagem aos combatentes argelinos e franceses da Primeira Guerra Mundial (inaugurado em Argel a 11 de novembro de 1928).

Em Trou de mémoire, o retorno dos fantasmas assume a forma de um acordeão de postais, num jogo de ocultação/desocultação, através do qual se revela o monumento original.

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MALATA ANDRIALAVIDRAZANA, SÉRIE FIGURES

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Malata Andrialavidrazana, Figures 1883, Reference Map for Business Men, 2019. Fotografia, impressão pigmentadaFigures 1856, Leading Races of Man, 2016. Fotografia, pigmento Ultrachrome sobre papel HahnemühleFigures 1876, Planisphère élémentaire, 2018. Fotografia, impressão pigmentada

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A cartografia teve sempre um enorme poder, incluindo o de representar os territórios conquistados e os seus habitantes, dominar as populações, hierarquizar e classificar os povos e as nações.

Com os seus mapas, a artista desconstrói a representação de um imaginário colonial e racista, criticando todos os formatos de propaganda que, durante séculos, foram utilizados em objetos do quotidiano, tais como postais, mapas escolares ou notas de banco. Recorrendo a uma técnica complexa de colagem e digitalização, o resultado são quadros de representações em camadas onde o realismo e a fantasia coabitam.

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MOHAMED BOUROUISSA, SÉRIE «NOUS SOMMES HALLES», 2002

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Mohamed Bourouissa, Série «Nous sommes Halles», 2002. Fotografia, impressão Lambda

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A arte também serve para dar visibilidade às pessoas que sofrem com a exclusão. Esta obra é o resultado de vários meses passados no bairro de Châtelet-Les Halles, em Paris, onde o artista e a sua amiga Anoushka Shoot se interessaram pelas pessoas que usavam roupa Lacoste, à imagem dos cantores do grupo de rap Ärsenik, que subvertiam as normas burguesas da marca do crocodilo, tornando-a sua. «Nous sommes Halles» constrói, assim, um retrato de uma geração e de uma subcultura do início dos anos 2000, que decide sair das periferias e ocupar um território no centro «branco» de Paris.

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MÓNICA DE MIRANDA, TALES OF LISBON, 2020

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Mónica de Miranda, Tales of Lisbon, série «Black Tales», 2020. Instalação fotográfica e sonora.

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Mónica de Miranda apresentou também “Black Boards”, série «Black Tales», 2018. Fotografia, impressão a jato de tinta sobre papel de algodão e “Achilles’ Heel”, série «Tomorrow is Another Day», 2018. Fotografia, impressão a jato de tinta sobre papel de algodão.

A desconstrução dos sistemas de reprodução ideológica instigados pelo colonialismo compõe uma parte importante do trabalho desta artista, quer se trate de questionar as categorias artísticas da história da arte europeia, quer de mapas anatómicos da medicina e epistemologia ocidentais. Estes são os temas dos dois quadros negros em exposição. Tales of Lisbon, por sua vez, é uma obra composta por um conjunto de fotografias de restos de casas da periferia de Lisboa de onde foram desalojadas famílias afrodescendentes. As casas foram destruídas. A obra é acompanhada pelo registo áudio de histórias da imigração de africanos que vivem em Lisboa.

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PAULIANA VALENTE PIMENTEL, AFRO DESCENDENTES, 2020

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Pauliana Valente Pimentel, Afro Descendentes, 2020. Fotografia, impressão a jato de tinta sobre papel FineArt.

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Pauliana Valente Pimentel é uma artista em trânsito permanente, seja em territórios africanos, seja em Portugal, nomeadamente em alguns bairros de Lisboa. No ano de 2020, durante a pandemia do covid-19, visitou o «território» dos artistas afrodescendentes que vivem em Lisboa e questionou-os sobre a sua relação de afrodescendentes imigrantes com a Europa. O resultado desta viagem particularmente intimista é uma série de retratos que exprimem a fragilidade das pessoas fotografadas: vulneráveis devido ao confinamento, mas determinadas em afirmar a sua presença na Europa através de declarações escritas sob a forma de legendas na primeira pessoa.

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SABRINA BELOUAAR

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Sabrina Belouaar, M. Bobigny, 2016. Fotografia, prova de gelatina e sais de prataSérie «The Gold Seliers», 2018. Fotografia, impressão em jato de tinta sobre papel Ilford, colada em alumínio

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Belouaar apresenta as fotografias acima, além de outras peças.

A quem pertencem estes punhos atados por um cinto de cabedal negro [imagem na capa do catálogo]? A uma pessoa escravizada ou a um operário que trabalha numa fábrica de cintos? Na verdade, o que a artista expõe é a condição de subalternidade a que antes a escravidão e posteriormente o capitalismo moderno conduziu os que foram obrigados a vender a sua força de trabalho para sobreviverem (no caso da escravatura, nem isso era assegurado).

O corpo – na sua ambiguidade entre o que o adorna e o que o constrange — é o elemento central das obras de Sabrina Belouaar, sendo sempre sugerido a partir de um detalhe que faz sentido, em vez de exibido de forma frontal. A condição da mulher, tantas vezes reprimida, tanto em regimes colonialistas quanto, muitas vezes, em países pós-coloniais, merece uma produção atenta, continuada e de denúncia por parte da artista.

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A exposição “EUROPA OXALÁ” reúne obras de: Mpane, Aimé Ntakiyica, Carlos Bunga, Délio Jasse, Djamel Kokene-Dorléans, Fayçal Baghriche, Francisco Vidal, John K. Cobra, Josèfa Ntjam, Katia Kameli, Mohamed Bourouissa, Malala Andrialavidrazana, Márcio Carvalho, Mónica de Miranda, Nú Barreto, Pauliana Valente Pimentel, Pedro AH. Paixão, Sabrina Belouaar, Sammy Baloji, Sandra Mujinga e Sara Sadik.

A curadoria é de António Pinto Ribeiro, Katia Kameli e Aimé Mpane, numa co-produção Fundação Calouste Gulbenkian – Delegação em França; Centro de Arte Moderna MUCEM – Musée des civilisations de l’Europe et de Ia Méditerranée, Marselha; AfricaMUSEUM – Musée royal de l’Afrique centrale, Tervuren, Bélgica e Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), projecto MEMOIRS – Filhos de impérios e pós-memórias europeias, Coimbra.

A exposição está patente na Fundação Calouste Gulbenkian, na Av. de Berna, em Lisboa, de 4 de março a 22 de agosto de 2022.

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Catálogo (capa).

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No âmbito da exposição foi editado o catálogo e um livro de ensaios.

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Livro de ensaios (capa).

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Pode saber mais sobre a exposição, aqui.

Fotografias da exposição de António Bracons.

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