A QUESTÃO COIMBRÃ E OS VENCIDOS DA VIDA

150 anos da Questão Coimbrã – Publicação de «Bom senso e bom gosto», de Antero de Quental

 

 

 

 

Na segunda metade do século XIX, após a crise da implantação do liberalismo em Portugal e a morte de Garrett, o romantismo encontra-se esgotado e dá lugar ao ultra-romantismo. Por outro lado, o avanço tecnológico, reflete-se em todas as áreas, nomeadamente no desenvolvimento dos meios de transporte, como o ferroviário, o que veio permitir o rápido conhecimento das novidades que se desenvolviam na Europa. É neste ambiente que se vai gerar o que ficou conhecido como Questão Coimbrã.

A Questão Coimbrã tem início com a publicação, por Antero de Quental, de uma carta-aberta a Castilho, «Bom Senso e Bom Gosto», com data de 2 de novembro de 1865, a qual se torna o rastilho de uma polémica literária, que se prolongaria pelo ano de 1866: em menos de um ano foram publicados quarenta e quatro folhetos e inúmeras crónicas, cartas e folhetins, de resposta uns aos outros (podem ser lidos aqui).

 

Quando Antero de Quental publicou o «Bom Senso e Bom Gosto», dando «oficialmente» início à Questão Coimbrã, já era evidente a hostilidade entre muitos dos intelectuais lisboetas que gravitavam em torno do velho escritor António Feliciano de Castilho e os jovens estudantes de Coimbra. A edição dos três primeiros livros de poesia de Antero de Quental e Teófilo Braga, principalmente o teor dos seus prefácios filosóficos, causaram forte abalo no grupo de Lisboa, conhecido por «sociedade do elogio mútuo». Pinheiro Chagas, um dos mais queridos pupilos do «mestre», chamou a si o encargo de atacar nos seus folhetins as «tisanas filosóficas» dos jovens escritores.

A polémica tornou-se inevitável quando Castilho, em carta ao editor que ia publicar o poema de Pinheiro Chagas, «Poema da Mocidade», seguido do poemeto «Anjo do lar», opina sobre a poesia que tinha deixado de ser fluente e inteligível, «conchegada com a nossa índole». Lamenta não perceber para onde irão Antero e Teófilo, nem que destino será o deles.

Aborda depois, o assunto fundamental da carta, a apresentação do pupilo, com absurdos elogios às suas qualidades como homem e como escritor, sugerindo o nome dele para ocupar, no Curso Superior de Letras [da Universidade de Coimbra, a única então existente], a cadeira de Literatura Moderna.

A resposta de Antero é uma refutação indignada e violenta às opiniões de Castilho. «Acabo de ler o escrito de V. Exª. onde, a propósito do bom senso e do bom gosto, se fala com áspera censura da chamada escola de Coimbra.» Mas Antero explica que não são as palavras nem mesmo as ideias que indignam Castilho. «A guerra faz-se à impiedade destes hereges das letras, que se revoltam contra a autoridade dos papas e pontífices […]. Faz-se contra quem entende pensar por si e ser só responsável pelos seus actos e palavras.» E Antero continua a alinhar acusações violentas contra o patriarca das letras que não lhe responderá. Em seu lugar, sai à estacada Pinheiro Chagas, que não ataca pessoalmente o coimbrão, preferindo tecer considerações sobre o inovar e o inventar, termos muito utilizados por Antero e Teófilo. Do seu ponto de vista, não havia mais que inovar ou inventar. Os alemães e os franceses já se tinham encarregado disso.

Teófilo Braga, remetido até aí ao silêncio, publica ainda um curto ensaio, seco e duro, em que denuncia a banalidade atrevida da «escola do elogio mútuo» e a corrupção das realezas literárias.

Da multiplicidade de intervenções que se irão registar em 1866, trinta e duas ao todo, refira-se a de Ramalho Ortigão, «Literatura de Hoje» e a de Camilo Castelo Branco, «Vaidades Irritadas e Irritantes». Ramalho, no seu belo estilo «farpiano», analisa ponto por ponto, negativamente, a carta de Castilho, deixando-o bastante combalido. Quanto à intervenção de Antero, rejeita-a liminarmente, chamando-lhe covarde por se dirigir, naqueles termos, a um ancião. Tão severa opinião vai resultar num duelo entre os dois, ficando Ramalho levemente ferido num braço. O texto de Camilo – que não queria entrar na polémica, mas a isso fora obrigado pelas insistentes cartas de Castilho – é uma peça em que o romancista procura não ofender nenhuma das partes em conflito.

O choque entre Antero e Castilho teve um efeito libertador. De um e de outro lado os folhetos e os folhetins saltaram para a luz do dia. Uns, muitos, atacavam o patriarca das letras, outros censuravam Antero pela falta de respeito para com o paladino da instrução primária, velho, doente e cego. (…)

A literatura saíra da sua dormência e fizera-se a ruptura entre os versejadores sentimentais e piegas e o pensamento da Geração de 70 que vai iniciar o seu percurso.”

 

Maria José Marinho, Síntese de «A questão coimbrã: bom senso e bom gosto: apresentação crítica, selecção, notas, linhas de leitura e pontos de orientação», Maria José Marinho e Alberto Ferreira. In: Lisboa: CTT, Pagela da emissão filatélica comemorativa.

 

Esta nova corrente deu origem ao realismo, um novo estilo literário de cariz mais crítico, social e humanitário, abrangendo diferentes conceções políticas, históricas e filosóficas.

Este grupo de intelectuais, licenciaturas terminadas, e já em Lisboa, formam um grupo, mais alargado, o Cenáculo, que em 1871 vai organizar um conjunto de Conferências, que têm lugar no Casino Lisbonense, ficando conhecidas como as Conferências do Casino, procurando colocar “Portugal a par do movimento europeu e estudar as condições de transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa”.

Estas conferências não tiveram as consequências pretendidas e a geração de oiro de Coimbra acabou por não conseguir fazer mais, acabando, por sugestão de Oliveira Martins, por se autonomear “Os Vencidos da Vida”. Fizeram parte do grupo, entre outros: Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José Duarte Ramalho Ortigão, António Cândido Ribeiro da Costa, Guerra Junqueiro, Luís Augusto Pinto de Soveral (marquês de Soveral), Francisco Manuel de Melo Breyner (3.° conde de Ficalho), Carlos Félix de Lima Mayer, Carlos de Lobo de Ávila, Bernardo Pinheiro Correia de Melo (1º Conde de Arnoso), António Maria Vasco de Mello Silva César e Menezes (9.º conde de Sabugosa) e José Maria Eça de Queirós. O grupo reunia-se para jantares e convívios semanais no Café Tavares, no Hotel Bragança ou nas casas dos seus membros, tendo-se mantido ativo entre 1887 e 1894.

 

 

Não são muitas as fotografias conhecidas do grupo da Geração de 70 ou de “Os Vencidos da Vida”. Comecemos com o bloco da emissão filatélica comemorativa da efeméride, emitido a 12 de agosto de 2015:

 

 

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Bloco da emissão 150 anos da Questão Coimbrã, emitido pelos Correios de Portugal.

O fundo do bloco reproduz a Torre e Via Latina, Universidade de Coimbra, postal em «Álbum de Coimbra», Leopoldo Wagner, séc. XIX, Sociedade de Propaganda de Portugal e um pormenor da capa de «Bom Senso e Bom Gosto», Antero de Quental, col. BNP. O selo do bloco reproduz a fotografia:

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Fotografia da: Casa Real – Palácio de Santa Teresa, Porto, «O Grupo dos Cinco» (In: Antero de Quental, Fotobiografia, Lisboa: INCM, 1985) ou «Vencidos da Vida», 1889 (In: Pagela da emissão filatélica, Lisboa: CTT, 2015. / Coleção Nacional de Fotografia © Centro Português de Fotografia/Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas).

Da esquerda para a direita: Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Antero de Quental, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro. Fotografia tirada no Palácio de Cristal, Porto.

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Outras fotografias conhecidas:

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P. Marinho, Os Vencidos da Vida, 1888 (?, ver fotografia seguinte). In: Brasil-Portugal, n.º 39, 1.9.1900, pág. 233.

Da esquerda para a direita: Conde de Sabugosa (António Maria Vasco de Melo César e Meneses), Luís Augusto Pinto de Soveral, Carlos Félix de Lima Mayer,  Conde de Ficalho (Francisco Manuel de Melo Breyner), Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, Carlos Lobo d’Ávila, Conde de Arnoso (Bernardo Pinheiro Correia de Melo), Eça de Queirós e J. P. de Oliveira Martins.

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P. Marinho (?, por similitude com a fotografia anterior), 1888. In: Ilustração Portuguesa, n.º 902, de 2.6.1923, pág. 690.

Referindo-nos, no anterior numero da Ilustração [n.º 901, de 26.5.1923, pág. 655], ao falecimento do sr. conde de Sabugosa [o 9.º Conde de Sabugosa, António Maria Vasco de Melo César e Meneses, faleceu em Lisboa, em 21.05.1923], lembramos que ficava, desde agora, sendo o único representante do famoso grupo dos Vencidos da Vida, o grande poeta Guerra Junqueiro. Vem, portanto, a propósito reproduzir esse grupo, tirado em 1888, onde se vêem (da esquerda para a direita) : sentados, Carlos Mayer, Oliveira Martins e Ramalho Ortigão, de pé, marquez de Soveral, conde de Sabugosa, Carlos Lobo d’Ávila, e Eça de Queiroz; sobre a escada, Guerra Junqueiro, conde d’ Arnoso e conde de Ficalho

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A fotografia mais vista recentemente, será esta de Augusto Bobone (1825-1910), que foi fotógrafo da Casa Real:

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Augusto Bobone, “Os vencidos da vida”, 1889. Albumina, 26 x 31 cm. Col. João José P. Edward Clode.

De pé: Conde de Sabugosa, Carlos de Lima Mayer, Carlos de Lobo de Ávila, J. P. Oliveira Martins, Luís de Soveral, Guerra Junqueiro e Conde de Arnoso; sentados: Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz, Conde de Ficalho e António Cândido.

Fotografia publicada na Ilustração Portuguesa, Lisboa 1903, A. 1, p. 21, integrou a exposição Tesouros da Fotografia Portuguesa no Séc. XIX, Museu de Arte Contemporânea / Museu do Chiado, 2015 (catálogo) e a revista Visão História, n.º 30, Agosto 2015.

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